domingo, 18 de março de 2012

Sem título

As almas vagabundas juntam-se
em fogueiras. Ouvem histórias de
guerras onde quem foi,

foi em tempos,
e já viu o tempo passar.
As almas vagabundas deambulam
em árvores ocas de sentimentos
e homens violentos que já não
sabem porquê.
Amarguras já não são duras.
Ódio já não é ópio
da insanidade.
Quem vagabunda não tem medo
da tortura em que a eternidade
se possa vir a tornar.

Joaquim Salgueiro

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A solidão do vagabundo

A noite já vai a meio, e sem um copo
bebo o imaginário como se estivesse meio cheio,
falo com paredes e bonecos doutros tempos
como se o tempo viajasse noutros tempos.

É como se em vez de cérebro tivesse vento,
como se o mundo fosse cinzento.
Só um pouco mais além
e a máquina há-de parar.

É uma máquina sem sentido,
que desenha palavras no ouvido
e viaja entre reis e princesas, cortes com duquesas
e sons do rock'n'roll.

Esqueço-me do partido,
esqueço os ruídos e traço a minha solidão.
Uns dias branca, outros sem cor,
Uns dias bem vinda, outros de dor.

A noite continua a meio, e sem o copo,
só me imagino meio cheio...

Joaquim Salgueiro

sábado, 3 de setembro de 2011

Os erros do bandido

Chora, pequeno bandido,
chora porque na estrada tudo está perdido,
sem calor ou dissabor,
chora por chorar sem sentido.

Onde está a tua casa?
parou a meio da jornada,
coxa e com receio de chegar
ao fim da vida.

Chora, porque nunca soubeste
até agora o que passa um coração partido.
Sim, um coração roubado,
pequeno bandido...

Soube que ela não quis ir ter contigo,
mas sim comigo, paredes sujas e vidros partidos,
tal falta de atenção,
tão pouca convicção...

E agora choras sem sentido.
quando a tiveste, não quiseste e ficaste sem abrigo,
seu louco, insano, burro, triste
ignorante (e por fim) , pequeno bandido...

Joaquim Salgueiro

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A minha janela

O vidro está rachado.
lá fora falam de mim sem saber,
porque eu também sou povo
e tenho querer,
lá fora balas matam-me a esperança
e notas efectuam cirurgias do silêncio
para o povo se calar.
lá fora o céu é preto porque o destino
não tem outra cor.
E os roubos são certos
e as drogas também
e os riscos e o mal
a ganância e a falência da dignidade mundial...

sim, o vidro só pode estar rachado.

Joaquim Salgueiro

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

só me sinto cru

estou quieto em alto mar
e fechado em quatro paredes
rodeado de gritos e lágrimas
sem janelas onde o sol vem agradecer
porque nem o sol
está escuro tão escuro
e não sei que fazer
só ouço a calçada lá fora a lamentar-se
e só diz que já foi pisada
e rebaixada

afinal sou uma calçada
banhada a água e sal
e não tenho para onde ir
e não tenho onde ficar

estou apenas ferido
sou afinal animal.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Nómada mental

no deserto pairam aves
em busca do meu corpo decomposto
que mora numa cave fechada
a mil chaves e nunca por mim foi descoberto.

já percorreu aprisionado
mil oceanos, deu à costa em vários mares,
afogou-se no sal das águas
e morou em silêncio nos corais.

correu estradas
bosques, viu homens e animais
viu crianças e parou
num país à beira mar.

agora escreve no frio
do prédio no sexto andar,
morreu ou estará vivo
o meu corpo, triste, sombrio.

Joaquim Salgueiro

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

filosoficisses.

inauguram-se ventos
e levantam-se as bandeiras,
procuram-se homens e mulheres
de alma cheia,
fecha-se a porta a mentes sãs ou pouco crentes,
entra-se agora num mundo
onde nada parece diferente.
a âncora pode estar prestes a levantar
e o adeus pode vir com a lágrima
juntar mais sal ao pouco que tem o mar,
os lenços caem em sinal de adeus
e toalhas sujas ficam em terra, ao fundo a ver,
os tios e avós querem mais fama
e a mulher quer mais uma carta
escrita na cama,
os amigos vinhos de outras terras
e a amante um anel da rara pedra.
calma gente, a viagem ainda nem se deu
e o céu escuro é preto e meu,
outros sonhos surgem
quando um sonhador nasce,
mas um mergulho profundo
neste sítio imundo
enaltece qualquer bondade.
brilha sol, é ultima vez que o fazes.
quando acordar, nunca terei vivido
e cada dia é o melhor
se nenhum outro tiver acontecido,
despede-te já de mim...
amanhã esqueci-me que existo.

Joaquim Salgueiro

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O prometido futuro.

Por entre muralhas
que cercam distâncias
e torturam paixão,
não sei se sim,
só sei que não.
nunca te vi, apesar
de correr todas as noites
estradas sem fim
e cair de penhascos
irreais, apesar de todos os dias
mandar beijos para o ar
e esperar que eles voem
até verem os teus lábios.

seja um dia
futuro e eu estarei contigo,
seja um dia o prometido
e nunca serei o mesmo.

qual o mal de querer?
e de sentir,
de quando em vez,
a tua falta?
mesmo sem nunca te ter,
sei que voltarás
por um caminho
nunca pisado.
Um dia será o prometido futuro.

Joaquim Salgueiro

A erva

Algures no monte
existe a erva com a forma
do meu ser, deformada,
deprimida, bela e a morrer.
Algures no céu,
as nuvens páram só para ver
e criam trevas acomuladas
de sonhos empilhados, por uma erva
em forma de eu.
Algures no estábulo,
o animal lembra-se das nuves,
que de tanto parar ficaram escuras,
por uma erva que não teve coragem de comer.
Algures na cama, entre vales e lençois,
o homem estranha o olhar vago dos animais,
só porque uma erva nasceu em forma
disforme e o céu a admirou.
Algures na minha mente,
eu adormeço a pensar neste quadro
verde escuro, com focos baratos e pouco seguros,
choro sem fim, por uma forma que não devia haver.

Joaquim Salgueiro

terça-feira, 7 de setembro de 2010

I.

Apagas-te uma vela que ardia muito
mas devagar,
e fiquei sem luz, sem fogo
e sem expressão.
Acabou-se a caneta, o papel
e a tinta preta
as lágrimas e a prata dos castiçais...

Vendi tudo ao diabo,
fogo e água com sal
quis o teu bem pelo meu mal
e nem assim o vento te deixou ficar...

Dividi o coração em mil partes
deixei-tas à porta do quarto,
ou debaixo da tua cama
ou em cima
ou sentadas no sofá
até na mesa da cozinha,
estão todas por encontrar...

Foram-se o beijos,
onde os posso ir buscar?
Foram-se os "amo-te",
quando vão decidir voltar?
Foi-se tudo e eu não sei mais que escrever...
Foste... foste e sinto a falta de te ter...

Joaquim Salgueiro

domingo, 8 de agosto de 2010

atirei-o do prédio a baixo

atirei-o do prédio a baixo,
onde já cheirei mil vezes
a almofada que não tem cheiro,
e desembrulhei, sempre lento,
prendas que estão num quarto vazio,
sem luz, sem prendas, sem luz
e muito menos prendas...

atirei-o com força,
para não poder voar de volta,
ou passar pelas grades que
me impedem a mim de planar.
muita força, tanta que senti,
tão de repente, um baque mesmo entre mãos...

olho-te do prédio de um andar
que construí sozinho, em tempos,
há muito tempo atrás,
sem ajuda, por mim só,
estou tão sozinho... até a mim me meto dó,
sem um pequeno empurrão,
só eu te contruí, sim, falo
para ti prédio, só eu te vejo
na minha imaginação...

está no fim, por fim, chega ao final,
a rua que existe
mas existe mal
mostra-me o coração
no fundo da rua,
partido,
e sei que não o posso recuprar,
foi embora e não voltou a voar...
foi embora... foi...

Joaquim Salgueiro

O dia em que a caravana passou

Venham, venham todos!
Chegou o mestre encenador
a caravana e o animal pintor
o teatro está na cidade!
O espectáculo o drama e cor
risos e improvisos
faltas de atenção ou espectadores
subam, olhem a altura do actor
o beijo e o sangue derramado
da faca que especta sem dor!
Arregalem a vista
se podem ver não hesitem
tal cenário não é para todos
estão cá vacas, cabras e cabr...
ões, ratos nos bastidores
e pedaços de tecto no chão.
Sonhem! Alcancem estrelas
planetas até o sol! Fujam
por vielas e evitem violações!
Rápido
Rápido
Arde o teatro e a caravana,
arde o cão o bispo e a rata que
está com ele
os homens
as mulheres
Ai, peça infernal
que demoniza gentes e multidões!

Esqueçam, passou a caravana
seguiu e deixou um resto de perfume
que fará lembrar
o dia que o poeta nas ruas gritou:
"Venham, venham todos!"

Joaquim Salgueiro